segunda-feira, 9 de maio de 2011

Novelo

Pela Nhambiquaras, acho que vai mais livre do que pela Ibirapuera Xi, essa aqui é contramão Tsc, não era hora pra ter conserto e caminhão parado Não tem guarda, vou entrar devagarzinho Vai, seu molenga Tá procurando vaga bem na minha frente Anda logo, está tudo lotado Pela direita, acho que eu chego lá Pô, desculpa, não deu pra desconfiar que foi sem querer, cacete? Oh, seu guarda, se eu for por aqui, ei, seu guarda... Ei Bem, talvez um pouco de som ajude *Dicas para ser feliz** Seja ético Estude sempre e muito Acredite sempre no amor Seja grato a quem participa nas suas conquistas Eleve suas expectativas Não tem jeito, vou chegar tardíssimo Eu ligo e aviso que estou presa no trânsito Eles vão entender Cidade grande é assim mesmo Se não entenderem, eu levo umas flores... ou um bolo Também posso dar uma desculpa, tia doente sempre ajuda nessas horas Cresce e fala a verdade Saí atrasada porque estava acertando a sobrancelha Melhor mentir Curta muito a sua companhia O que a senhora disse? Largo Treze? Não, não sei chegar lá, sinto muito Tenha metas claras Ai, essa letra não sai da minha cabeça e eu não lembro a melodia *Tell me how does God choose? Which prayers does He refuse? *** Nã nã nã Não La La La Oh, caramba Cuide bem do seu corpo É, olha o que eu ganho por acertar as sobrancelhas Nã nã nã Droga De que adianta este GPS se eu não saio do lugar Declare o seu amor Amplie os seus relacionamentos profissionais Seja simples Esquerda ou direita? Rápido Por aqui... parado também Moço, me dá uma água por favor Moço, ei Pensando bem, me vê duas Quanto é? Uma por 2,25 e duas por 5,50? Como assim, foi o Sérgio Naya quem te ensinou cálculo, fala sério Nã nã nã Ai, some Tô mais perdida que surdo em bingo E atrasada Ai, se eu perco essa conta Por falar em conta, por que eu fiquei só com 15 reais se a água custou 4,50? Não imite o modelo masculino do sucesso Tenha um orientador Liberte-se do vício da preocupação O amor é um jogo cooperativo Do que esse cara tá falando? Se eu me livrar do vício, não vou poder jogar o jogo do amor Vou usar essa na reunião Um pouco de humor sempre agrega Tenha amigos vencedores Diga adeus a quem não o(a) merece Resolva! Aceite o ritmo do amor Meu, do que que esse cara tá falando? Não, guri, não tenho trocado Não, nem 10 centavos Celebre as vitórias Se eu conseguir escapar deste engarrafamento, já me dou por vencedora Nã nã nã Caramba Perdoe! Só se for o autor deste troço Arrisque! É, olha a multa que vou ganhar por ter entrado naquela contramão Tenha uma vida espiritual Muita paz, harmonia e amor Cara, eu vou desligar esta joça, antes que ele diga que se não der certo é porque eu não tentei o suficiente Tentar o rádio *A mãe biológica dele seria portadora de esquizofrenia e somente alguém com uma séria patologia mental cometeria crimes com tal crueldade**** Logo cedo?  Melhor não Este outro CD, talvez Poesia? Não tem música neste carro? *Cada vez mais para dentro Mais sem saída Mais sem ar Mais úmido Eu te cuspo Te sujo Te uso Te escuro Te acuo Te esgano Te estupro Te esmago Te prendo Te proíbo Te oprimo Te obrigo Te agrido Te aperto Te anulo Trapaceio Te desprezo Te ignoro Te destrato E só assim te atinjo Não me fascino* *E não me satisfaço**** *Aaaaahhhh Melhor espiar um livro, já que até o motor do carro eu desliguei *Eu pensava que a palavra tem que servir.. Uma vez eu disse que destruiria minha pena no instante em que a percebesse gratuita, liberta de intenção de servir alguma causa ou alguém... Devia ter quebrado minha pena várias vezes...****** Nã nã nã 



** Verso da música “Day after tomorrow”, do glorioso Tom Waits.
http://www.tomwaits.com/songs/song/260/Day_After_Tomorrow/ 
*** Frase extraída do Jornal da Globo de 8 de abril de 2011
**** poesia péssima que eu mesma escrevi de propósito
*****Citação de Mario de Andrade

quinta-feira, 21 de abril de 2011

BFF*

GENTE CLICHÊ

A cena começa com um homossexual assumido, sentado em um boudoir com mais dourados do que recomendam as revistas de decoração. E plumas, vermelhos, almofadas, franjas. O ambiente recebe luz indireta e vêem-se vidros de cristal sobre um aparador e uma penteadeira em estilo francês usada como bar, emoldurada por um grande espelho bisoté. Na parede do fundo, uma montagem com nove fotos do rosto dele em cores cítricas à Andy Warhol. Mireille Mathieu canta baixinho; depois dela, virão Edith Piaf, Jacques Brel e Nina Simone.

Aconchegado numa chaise, veste roupas de tecidos leves enquanto aguarda a chegada de um amigo para o chá. Tem anéis de ouro nos dedos e calça chinelas de seda. Na mesinha ao seu lado, uma foto emoldurada da mãe. Sobre a mesa de centro, uma bandeja onde se vêem duas xícaras, um bule coberto por um abafador indiano, saquinhos de adoçante, um potinho de porcelana com cubinhos de açúcar e um prato com delicados petit-fours. Ah, e um livro de Robert Mapplethorpe.

O amigo entra esbaforido, abrindo a porta de forma dramática. Veste camiseta branca básica, jeans de marca e tênis casuais com detalhes fashion.

-        Bi, tô vindo do petshop. Olha só! Fiz as unhas, hidratação no cabelo e uma tinturinha, que ninguém é de ferro, não é moamorr?

-        Esse tom ficou lindo. E vai combinar super com sua roupa, quando você for ferver à noite.

-        E você não vai?

O anfitrião serve o chá para ambos, enquanto o visitante brinca, divertido.

-        Como dizia minha amiga Christine Yufon, para segurar a xícara, são dois em pinça e três em leque.

O anfitrião olha para os lados, prestes a revelar um segredo.

-        Encontrei aquele bofescândalo hoje na Benedito Calixto. Acho que vamos nos ver mais tarde.

-        Mas você não vai partir pra cima dele, né? Bicha burra nasce morta. Acho uó.

-        Ai, me erra, Laleska.

Incomodado com o rumo da conversa, o anfitrião muda de assunto.

-        Olha o livro que eu comprei. Mapplethorpe, superhype.

-        Bem, você sabe que eu adoro ler, mas não livros.

Sorri, faceiro. O outro gargalha alto, apoiando os dedos de leve no pescoço, como se sobre um colar de pérolas.

-        E o que você lê, bagaceira? Cartaz de “Procurado vivo ou morto”? Preço off em liquidação na Louis Vuitton?

-        Ai, desaqüenda, mona. Vamos ver o tal livro superhype... (um longo silêncio)... Aaaai, meus sais! Me deixa olhar com calma.

A cada página virada lentamente, um suspiro e um comentário.

-        Mmmmm, não, muito fraquinho. Alôca.

-        Babado confusão.

-        Ah, este aqui, eu faria. A Bete faria!

-        Ai, tô passado!

A campainha soa, tirando os dois amigos do enlevo. Um poodle tosado segue aflito em direção à porta da frente. O dono da casa ralha com ele:

-        Calma, Giorgio. Papai vai atender.

Entra uma mulher, meia-idade, divorciada, deprimida e que se define como sanguínea. É a vizinha, que ouviu vozes e tocou em busca de companhia. Veste bermudas e uma camiseta onde parece ter respingado água sanitária. Arrasta atrás de si um leve aroma de cebola. Abraça o anfitrião longamente.

-        Ai, meu amigo. Que bom te ver. Eu te amo tanto.

Segura o rosto dele com as mãos em taça enquanto sorri triste.

-        Você tá tão lindo...

Seu rosto, emoldurado por cabelos desgrenhados, as raízes embranquecendo e sem maquiagem, fica ainda mais acabrunhado.

Abraça-o mais uma vez. Afetuoso, ele a convida a se sentar e vai para a cozinha em busca de mais uma xícara, seguido pelo alegre cãozinho engravatado.

Ela estende uma mão débil para o visitante e se apresenta. Permanece assim por tempo demais e, ainda sustentando a mão dele, diz que sentiu uma vibração.

-        Você é uma pessoa linda. Posso sentir isso só te tocando. Sua alma é luminosa e seu caráter virtuoso... Er, eu sou sensitiva, entende? Desculpe se eu fui muito afoita.

O outro logo se interessa e, quando o anfitrião retorna, ela já se aprofundou em detalhes das dificuldades que ele experimentou na vida, de sua determinação para ser feliz e do futuro especial que o aguarda. Ele está encantado.

-        Ai, bi. Somos BFF. Amigas para sempre!

-        Oh, posso te dar um abraço? É esse impulso que me veio quando toquei sua mão. Às vezes, sinto necessidade de abraçar as pessoas.

Eles se enlaçam enquanto ela prossegue.

-        Acho que eu te amo muito. Eu sinto isso.

O telefone dela toca. É o ex. Algo sobre um depósito que ela pediu a ele e ainda não foi feito. Ela fica em longos silêncios e responde por monossílabos. Lá pelas tantas,

-        Mas querido... eu sei... tem razão... É, É, É QUE EU AINDA TE AMO. VOCÊ ENTENDE ISSO? Sabe o que eu estou passando? Me ouve! Eu-ain-da-te-amo. Entendeu agora?

Desliga o telefone e desaba no sofá. Alguém lhe oferece um lenço de cambraia. O anfitrião vai até o toucador feito em bar e traz um copo baixo com whiskey e algumas pedras de um gelo que milagrosamente estava ali em cima há horas, sem derreter. Abatida, ela recusa e culpa os remédios.

-        Ai, que bas-fond.

-        Babado fortíssimo. (mais um longo silêncio) Mas você precisa reagir, mulher! Você é uma leoa. Tem a coragem dentro de si. Vai dar a volta por cima. É cabeça erguida. Bofe nenhum vai te derrubar. E vamos dar um jeito nesse seu cabelo, que está uó. Você não quer ser vista assim, não é, moamorrr?

-        É isso mesmo. Tá parecendo uma bolacha** caminhoneira, mas com uns retoques, vai ficar uma luxa. Se joga! Ai, e troca essa música, naja. Vamos ouvir algo mais up.

-        Que tal Gloria Gaynor?

Jovial, o visitante bate palmas! E passa a agitar os braços e cantar junto com o disco, tentando mandar uma mensagem para a mulher.

-        I am what I am / and what I am needs no excuses

 Ela enxuga as lágrimas, faz biquinho e diz:

-        Eu amo vocês!


*Best friends forever
**lésbica

quinta-feira, 17 de março de 2011

De Morte

Pronto. Era a morte que tocava meu ombro bem de levinho pra não assustar. Eu achei que era naquela hora que começava o flashback que se vê em filme. A primeira coisa que me ocorreu foi um vinil com “Chiribiribi quá quá” tocando alto numa vitrola em 45 rotações. Não era bem o que tinha em mente, mas vá lá. Acho que a gente nunca planeja esse momento com precisão. Agora vai assim mesmo. A verduga da desvida já tinha apoiado a foice numa cerca, pois notou que ia demorar. E o Ary Barroso continuava sem vacilar: “Chiribiribi quá quá, Chiribiribi quá quá...”. Aquilo parecia não ter fim. Puxei pela memória e vi que nem ao menos conhecia a canção. Talvez fosse uma mensagem! Essas coisas acontecem, provavelmente antes do túnel por onde a gente tem que seguir até ver a luz. Comecei a prestar atenção na letra:

“Pra que juiz marcar o jogo entre nós dois
se vale ‘foul’, vale ‘offside’ e bofetão;
É melhor o juiz lamber sabão;
Oh! O juiz, o juiz é um ladrão.”

Não, não. Devia estar no canal errado. Esse recado não era pra mim. Mesmo tendo nascido na terra do futebol, entendia xongas do valente esporte bretão! Ou será que a mensagem era que eu devia ter aprendido a jogar futebol? Tarde demais. Também podia ser outra coisa: quando chegasse no fim do túnel, perguntar pro Ary se nunca tinha ouvido falar em rima rica. Por via das dúvidas, memorizei esse recado. Não custava nada, já que eu estava indo para lá mesmo.

Minha mente vagava; pareceu que eu ouvia um silêncio de anjos. Não, não merecia. Era a música que começava a sumir. Pensei: Existe um Deus! Mas por falar em Deus, em vez do tal flashback, comecei a lembrar de uma piada em que o Altíssimo resolveu descer à Terra para cobrar pelo uso indevido do seu nome. Afinal de contas, Santo Antonio, São Pedro e os outros tops estavam riquíssimos só pela cessão de direito de uso de seus nomes para mercearias, igrejas, times de futebol, bairros inteiros! E Ele tinha avisado em Mandamento e tudo mais que o Seu nome não era pra brincadeira. Quando já estava com as malas prontas, São Francisco vaticinou que era melhor não, pois o que mais se ouvia por aqui era “Deus lhe pague” e tudo que o Divino ia encontrar eram dívidas.

O pior é que eu não conseguia rir. Será que não tinha entendido a piada? Pensei em contar de novo pra ver se o ritmo melhorava, caprichar na interpretação... Debruçada num mourão da cerca, a mórbida visitante, seca feito um varapau, já estava cochilando, com dor nos quartos e um calor tremendo daquela roupa preta comprida que era obrigada a vestir. Agora, eu pensava que devia ficar triste por não poder mais gozar a vida. Aí, lembrei que não tinha sido tão boa assim... Mas também não via motivos pra ficar contente por acompanhar a Danada.

O tempo foi passando e eu sentindo uma fominha. Uma pizza talvez! Saideira. Perguntei se a morte queria rachar uma pizza de calabresa e uma coca litro. Ah, e se podia financiar o lanche e me emprestar algum, pois tinha vindo despreparado. Nem uma troca de roupa, uma cueca limpa, uma escova de dente! Ela, provavelmente por problemas de fígado pelo estresse da profissão, não demonstrava o menor vestígio de senso de humor. Me lançou um olhar venenoso enquanto continuava com aquela cara de bunda sem lavar. Certamente faltava-lhe uma válvula de escape – um esporte de várzea, quem sabe? Ela só grunhia. Mas será o Benedito? Ao pronunciar esse nome, lembrei que tinha ficado com o casaco do Benê. Precisava ir lá devolver. O negão é friorento e vai me matar! Saí correndo e a morte atrás de mim. De longe, o Benê me viu, ficou branco, se benzeu e deitou o cabelo – fugiu levantando poeira. E eu atrás. E aquele ícone do fim agarrava o saiote de sua veste negra e vinha acelerada me perseguindo com suas canelas descarnadas.

Uma luz forte surgiu a minha frente. Pá! Até que enfim! Era o dono da pensão que abriu a porta, coçou o saco e murmurou “seis e meia”. Deixa eu levantar e devolver a japona do Benê antes que...

quarta-feira, 2 de março de 2011

Malandro é o Curupira, que faz Gol de Calcanhar

O leão e a leoa viviam às turras. Brigavam por causa da caça, da limpeza do covil, do banho dos filhotes.

Naquele dia, não tinha sido diferente e o leão saiu batendo a porta da caverna. Andava pela mata dando patadas em tudo que encontrava, urrando para todos ouvirem. Ela lhe dava nos nervos, mandava fazer isso, proibia de fazer aquilo. E ele posando de rei. Roar! Correu muito até se cansar. Deitou-se no galho de uma jaqueira e ficou ali parado, até que desaparecesse a vontade de extrair os pelos dela com uma pinça.

Foi então que um ratinho desavisado passou por cima do galho, carregando o butim de sua campanha num acampamento próximo. O grande felino segurou-o pelos quartos traseiros até quase esmagá-lo, embora não quisesse promover nada rápido demais, nem definitivo. Centrou todo seu ódio no pequeno roedor, gritando: “Criatura insignificante, ralé dos seres vivos, sarjeta da mata. Você é nada, só não o destruo com um dedo mínimo porque você é a escória e eu tenho nojo de tocar suas entranhas e me tornar qualquer coisa próxima de você.”

Nessa hora, o rabinho que o pequeno larápio tinha mergulhado no pote de maionese foi de grande utilidade. Espremeu-se por entre os dedos poderosos da fera imensa e correu para a ponta de um galho frágil, não muito distante. Satisfeito com sua artimanha, pôs-se a galhofar, imitando a voz do leão em sua fala miúda, dizendo: “Eu é que sou o rei da floresta. Você só tem pose, juba e”, esfregando o rabinho, completou, “patas fortes. Mas é burro feito um asno”. Desceu da árvore, correndo desembestado.

Atrás dele vinha o leão irritado e com o orgulho ferido.

Para provar sua teoria da estupidez do leão e, simultaneamente, demonstrar todo o conhecimento adquirido nos inúmeros livros que roera, o ratinho sentou-se sobre uma pequena folha no meio do lago e gritava teoremas pela metade, verbos no futuro do pretérito composto, fórmulas insolúveis, trechos da tabela periódica, nomes de minerais, capitais de países da Europa Oriental.

O leão rugia: “Quando eu te pegar, vou fazer picadinho, sua ameba tagarela!”

Desta feita, o espetaculoso sentara-se no alto de outra árvore e ria com as canjicas de fora. Às suas costas, ouviu um rosnado baixo. Era a leoa, que o comeu de um bocado.

Contradizendo a linha da ficção adotada por autores do século XXI, que afirma que todos os textos contemporâneos que abordam romances terminam em separação ou em um momento rotineiro que permite várias leituras, o casal de leões viveu feliz para sempre.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Na Moita

– Ai, que susto! Não vi que tinha alguém aí na penumbra. Vamos ficar
   bem quietos para que a onça não perceba nossa presença... Tem hora
   que é melhor se fingir de morto, concorda?
– Grrr...
– É mesmo. Dá muita raiva. Pelo jeito, essa onça já vem assustando –
   e comendo – os animais daqui há bastante tempo. A gente se sente
   castrado diante de tanta violência e impunidade.
– Arf arf.
– Entendo. Também já me cansei desta vida de fugir de predador.
   Mas sem ter competências de agressividade e reação, tudo que nos
   resta são a fuga e o esconderijo. Passamos e viver entocados,
   imundos, na escuridão, com o coração agitado e as patas trêmulas.
   A propósito, este aqui não é o meu habitat. Você sabia que eu nasci
   e me criei no circo? É por isso que ainda tenho essa tonalidade
   levemente rosé nos pelos... Gostou?
– Grrr...
– Ora, se não gostou, as regras de etiqueta ditam que basta se calar,
   sorrir e fazer um aceno com a cabeça. Não precisa tanta
   agressividade, tanta rudez animalesca!
– Uauau.
– Melhorou. Viu como é fácil agradar uma dama?
(Coça, coça, coça)
– Quer que eu te conte como vim parar aqui? Pois bem, a gente
   estava em turnê pelo interior do país – fazendo muito sucesso,
   eu devo confessar. Um dia, nosso caminhão seguia em
   velocidade ribanceira abaixo, passou por um buraco imenso e
   eu caí da boleia. Ninguém ouviu meus gritos e... aqui estou. Veja
   o meu pelo, está perdendo a cor e já está quase branco, tsc.
(Coça, coça, coça)
– Ai, pelas barbas de São Francisco! Eu, instruída, de tradicional
   linhagem de poodles, venho me ocultar numa caverna fétida e,
   ainda por cima, com um simulacro de cachorro-do-mato sem o
   menor verniz. Você não para de coçar a orelha, cheirar o pé e
   lamber as partes pudendas... Dá para melhorar os modos? Só
   um pouquinho? Que falta de touché... Além do que, o respeito
   é bom e poupa os dentes.
– ...
– Você não é de muito falar também. Escuta, lá na jungle, você não
   aprendeu nada a não ser rosnar, latir, fungar e vociferar?
– Auuuuuuuuu...
– E uivar pra lua?! Shhhh. Aí, você já passou dos limites! Cala a boca
   antes que ela te escute. Sit! Good boy. Ai, como dizia Proust, “onde
   fui amarrar meu jegue.”
– ... 
– Melhor assim. Fica aí de papo pro ar, refrescando as miudezas e em
   silêncio, que é mais seguro.
– ...  
– Hummm. Assim que o vi, notei que você tinha o cérebro de um
   protozoário, mas agora, pelo menos, está parecendo... sei lá...
   gostosão. Tem bicho que tem barriga, mas isso aí é um
   abdômen! Qual academia você frequenta? Pilates, acertei?
– Barf barf.
– Não conheço esse método. Alemão? ... Bem, está ficando frio aqui
   dentro. Chega pra lá que eu vou me sentar bem pertinho de você...
   Assim... Pronto, viu? Agora, um aquece o outro e a gente vai se...
– Nhoc... Blurp... E viva a cadeia alimentar. Vamos ver quem vem lá.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Isso deve querer dizer alguma coisa...

Não é conto nem lenda. É a mais pura verdade, acredite quem quiser. Isto posto, segue a história.

Uma vez, fui a um casamento. Na hora de jogar o buquê, a noiva, muito minha amiga, olhou para trás, tentando se assegurar de onde eu estava. Virou-se de costas e jogou. Lá vinha ele em minha direção. Ergui os braços e quando tinha as flores quase na ponta dos dedos, passa uma freira feito um corisco. Ela agarrou o buquê e correu como jogador de rúgbi. A noiva arregaçou o vestido até os joelhos e lá se foi aos pinotes atrás da freira. Mas a essa altura, não valia mais – o buquê estava jogado e, o pior, pego. E a sentença proferida: eu ia ter que esperar uma freira se casar primeiro... Veja bem, não falo isso com ressentimento ou dor - não trocaria minha vida por outra. Essa história é surrealmente divertida.

Nunca mais entrei nesse jogo tradicional. A cada casamento, me chamavam para participar e eu até me juntava ao grupo, mas nem me dava ao trabalho de erguer os braços. E ainda dizia que o único sorteio que tinha ganhado era o do meu primeiro carro no consórcio – pagando o resto das prestações, é claro. E tinha a história do buquê e da freira. Isso faz mais de vinte anos.

Ontem fui a uma festa. Na hora do buquê, fui fazer volume no grupo da mulherada outra vez, só para não arranjar inimizades, até porque amo muito aquele casal. Fiquei bem no fundo, evitando a cotovelada de alguma companheira mais afoita. Lá da ponta, ela se virou e jogou. Ele vinha bem alto e... caiu aos meus pés. Não tive alternativa, finalmente agarrei o buquê.

Ocorre que a festa era de bodas de prata . E as flores? Bem, rosas e ... suspiros. Poético, não?