sexta-feira, 9 de abril de 2010

Elevador

Um corredor frio qual geleira, estreito e longo, móveis antigos, espelhos cobertos disfarçando almas entregues à desvida, um cheiro acre e úmido com a memória de anos de mágoa e desesperança. Passos esmagados pela escuridão. O mordomo funesto com seu dedo descarnado indicando o elevador, quase uma ordem. A porta fechada num átimo. O ar pouco no espaço exíguo. Subida rápida, parada súbita, a porta aberta. No hall, espectros. O som gutural de sua fala perdido naquelas gargantas mortas. Acenos desesperados, esgares, talvez um alerta, um pedido de socorro. A porta fechada com violência, antes do breve esboço de reação. Ânsia de vômito, respiração acelerada, mãos úmidas, suor escorrendo pelas têmporas. Olhos tateando na escuridão perversa. Mais um tranco. A queda veloz. Um baque surdo e, talvez, o fundo. Escuro. A voz se recusando a sair, agarrada às entranhas. Nova queda. As mãos em busca de algo em que se agarrar. Nada. Uma descida desenfreada até o fundo do fosso. Um estrondo e as portas abertas, quase escárnio. Lá fora, sol e calor desmentindo o ocorrido. Como é que alguém vem até aqui e deixa seus tostões, alegando se divertir?!

Espera aí! Isso é uma cena do Disney World. Lugares não oprimem. Basta acender a luz, afastar as paredes, abaixar o volume. Mas como tirar o que marcou no passado? A enchente, as baratas, o palhaço do circo, o terremoto, a quebra da bolsa, a professora de matemática, os colegas violentos, o homem do saco, a injeção, o tsunami, a primeira paixão não-correspondida, o pedido de aumento de salário, a recusa da menina em dançar que o obrigou a atravessar o salão sozinho em direção ao riso cruel dos amigos, o parto natural, o discurso no dia da formatura, a blitz com uma ponta, o gol desperdiçado, a morte do pai, o assalto, o casamento desfeito, o pico de inflação, o acidente de carro, as provas escolares, a falta de respeito pelos direitos humanos, o tombo de bicicleta, a tentativa de estupro, o roubo da poupança, as almas penadas, a injustiça, o vestibular, o beijo na avó no caixão... Afora os desastres naturais e as baratas – é claro –, o que apaixona e apavora são as pessoas e as relações entre elas. Relações de poder e relações de confiança. E sempre que uma das partes rompe o contrato, o chão desaparece. Aí sim, a gente cai, como num sonho mau. Descrente, oprimido, inerte.