quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Aliterando P

Um estampido no parque
Policial apressado
Pessoas apavoradas
Perguntas imprecisas
O suspeito aprisionado
Emparedado pelo povo
Implorava o perdão dos passantes
Apresentava porquês sem porquê
Sob a pilastra, uma panela, um pombo e uma espiriteira
Patético.

domingo, 5 de setembro de 2010

Uns empilham tijolos, outros constroem catedrais

O João pinta a nossa casa desde que eu era pequena. Mineiro, ri muito e fala pouco. Pinta as paredes, portas, muro. Era casado com uma empregada, a Luzia. Foi assim que a gente se conheceu. Todo ano ele está lá. E não só pinta, mas também desentope calha, pendura quadro, mata rato, joga veneno para cochonilha na jabuticabeira. Sempre, se a gente fosse viajar, deixava o João pintando a casa. E se a gente fosse pintar a casa, aproveitava pra viajar. Ele toma conta do cachorro, acende a luz da frente, água as plantas. E todo ano, visita o túmulo do meu pai no dia dos pais.

Um dia, sobre a mesa, havia o folheto de uma exposição do Volpi. Acho que foi no ano passado. João apontou para a ilustração e, meio desinteressado, disse: Volpi. Eu perguntei se ele o conhecia. Ele disse: Claro, mas você não deve conhecer, pois ele já morreu. Achei engraçado e falei do grande pintor, de seu trabalho importante, seu reconhecimento internacional. João riu desdentado e falou: Eu trabalhava com ele. Incrédula. A gente pintava murais. Fizemos um bonito no Hospital São Luiz Gonzaga. Era estranho, pois ele é muito gozador, mas parecia falar sério. É claro que eu fui consultar o Dr. Google. E lá estava. Pintura de dois murais na ala da maternidade do hospital. 1949. Voltei. Explica isso aí direito! Ele fazia uns murais e eu ajudava. Ele disse que ia me ensinar o mais importante, que era misturar as tintas. Eu ia poder pintar meus próprios murais. Nessa época, eu fui chamado pra trabalhar numa empresa com carteira assinada, pra pintar paredes. A Luzia estava pra ter o Romildo. Fui embora. E tem mais uma coisa: o velho queria que eu torcesse para o Milan e você sabe que eu sou corintiano. Com isso não se brinca.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Água (ou Num Laivo de Benquerença)

Ora vem como goteira
Às vezes, qual tempestade
Tem dias em que é dor pouca
Mas pode ser rasgo na alma

Gota a gota, enche o peito
Castiga como enxurrada
Aí, dos olhos escoa
É enchente, é chuvarada
Vai, arrasta, esfarrapa
Não escolhe afeto nem mágoa
Leva tudo pela encosta
Só deixa terra arrasada

Com pouca desfaçatez
Você vem ver o que resta
Erodido, seco, mirrado
Seu riso árido qual vala

E eu peço a você que chova
Que garoe, que chuvisque
Quem sabe um leve borrifo?
Imploro que acabe o estio.