domingo, 5 de setembro de 2010

Uns empilham tijolos, outros constroem catedrais

O João pinta a nossa casa desde que eu era pequena. Mineiro, ri muito e fala pouco. Pinta as paredes, portas, muro. Era casado com uma empregada, a Luzia. Foi assim que a gente se conheceu. Todo ano ele está lá. E não só pinta, mas também desentope calha, pendura quadro, mata rato, joga veneno para cochonilha na jabuticabeira. Sempre, se a gente fosse viajar, deixava o João pintando a casa. E se a gente fosse pintar a casa, aproveitava pra viajar. Ele toma conta do cachorro, acende a luz da frente, água as plantas. E todo ano, visita o túmulo do meu pai no dia dos pais.

Um dia, sobre a mesa, havia o folheto de uma exposição do Volpi. Acho que foi no ano passado. João apontou para a ilustração e, meio desinteressado, disse: Volpi. Eu perguntei se ele o conhecia. Ele disse: Claro, mas você não deve conhecer, pois ele já morreu. Achei engraçado e falei do grande pintor, de seu trabalho importante, seu reconhecimento internacional. João riu desdentado e falou: Eu trabalhava com ele. Incrédula. A gente pintava murais. Fizemos um bonito no Hospital São Luiz Gonzaga. Era estranho, pois ele é muito gozador, mas parecia falar sério. É claro que eu fui consultar o Dr. Google. E lá estava. Pintura de dois murais na ala da maternidade do hospital. 1949. Voltei. Explica isso aí direito! Ele fazia uns murais e eu ajudava. Ele disse que ia me ensinar o mais importante, que era misturar as tintas. Eu ia poder pintar meus próprios murais. Nessa época, eu fui chamado pra trabalhar numa empresa com carteira assinada, pra pintar paredes. A Luzia estava pra ter o Romildo. Fui embora. E tem mais uma coisa: o velho queria que eu torcesse para o Milan e você sabe que eu sou corintiano. Com isso não se brinca.

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