Ele entra no zoológico para receber informações oficiosas
que seriam entregues por um representante da concorrência, em ato flagrante de
espionagem industrial. O homem vestiria um safári cáqui e a senha era Muriçoca,
conforme informado em sigilo por seu chefe antes que ele deixasse o escritório.
O encontro estava agendado para acontecer próximo à jaula do ornitorrinco. Na chegada ao Parque, perguntou a um
segurança onde ficava o local e soube por um gigante combalido que o animal,
uma fêmea, morrera de paixão incurável e letal por um espécime afastado por
oceanos, num continente de mesmo nome.
Percebendo sua falta de opções, continuou na empreitada.
Refletiu que hoje em dia, ninguém é ridículo o suficiente para vestir uma roupa
daquelas em plena rua e sem, ao menos, a justificativa de uma festa a fantasia.
E saiu em busca do safári perdido, até perceber que, estando no zoo, essa era a
vestimenta de todos os monitores, justo para se diferenciar do público. Aproximou-se do primeiro monitor e cochichou:
-
Muriçoca.
A resposta veio inclemente:
-
Perfeitamente, senhor. É interessante o senhor citar
justamente esse, pois os nomes variam conforme a região do Brasil. Há o mosquito e o pernilongo,
sendo que o primeiro se refere a pequenas moscas, como as Drosófilas,
enquanto que o segundo, além dessa denominação, é também referido como Muriçoca.
Na maioria dos estados da Região Norte, este pernilongo chama-se Carapanã.
É um inseto possuidor de probóscide picador adaptado para a sucção de líquidos
como néctar, seiva ou sangue. Suas fêmeas são também conhecidas como Melgas ou Trompeteiros.
Ele olhava para o homem com a boca entreaberta,
incrédulo. Onde estaria seu contato?? Buscava
uma brecha para interromper o discurso. Parecia que seu contendor tinha fôlego para
muito tempo... E, de fato, o rapaz prosseguia!
- Mosquito vem do latim musca, enquanto o nome Pernilongo é uma
referência às suas longas pernas. Muriçoca, Meruçoca e Muruçoca são oriundos do tupi Muri'soka.
Como os outros membros da ordem Díptera, os mosquitos têm um par de asas e
um par de halteres, que são modificações das asas posteriores usadas como
órgãos de equilíbrio. Espécies como os Anopheles e
o Aedes Aegypti são vetores de
parasitas, respectivamente a malária e a dengue. Seu tamanho varia, mas é
raramente maior que 15 mm e seu peso é de apenas 2 a 2,5 mg. Conseguem
voar de 1,5 a 2,5 km/h e existem há 170 milhões de anos, desde o Jurássico Médio.
Gostaria de visitar alguma jaula de animais de sangue quente para observar as
muriçocas em ação em seu habitat?
-
Adoraria, mas não hoje. Infelizmente, estou em
uma mis... uma miss... uma mistura entre sonolência extrema e perplexidade
abismada ou algo assim. Mas a temática me interessou sobremaneira! Muito mesmo.
Muito grato!
Ao avistar o segundo safári, reduziu os riscos e pronunciou
a distância:
-
Mu-ri-ço-ca.
Em resposta, seu interlocutor parecia falar a um marciano:
-
Os sin-to-mas da pi-ca-da cos-tu-mam sur-gir den-tro
de vin-te mi-nu-tos e po-dem cau-sar co-cei-ra por a-té dois di-as. São ra-ros
os ca-sos de cho-que ana-fi-lá-ti-co.
A explicação avançava para os casos de lesões abrindo
caminho para as bactérias no organismo quando ele saiu correndo. Ao longe,
ainda ouviu dizer que diabéticos são um grupo de risco para desenvolver...
nunca soube o que.
Ele não podia voltar para o escritório sem o pendrive, pois muito dinheiro fora
investido na tramoia.
Depois de todo esse papo sobre insetos hematófagos, sentiu
uma coceira repentina nas costas e nas pernas. No braço esquerdo também. A essa
altura, ele se coçava todo, sem medo de reprimendas. Bem no meio de seu
alvoroço convulsivo, algo entre dança tribal e final de catapora, ouviu uma voz
ao seu lado:
-
Muriçoca?
Ele respondeu sem se virar:
-
Não, acho que é pulga mesmo.
Entrou no banheiro à cata da tal pulga e só lá, no recôndito
da cabine, se deu conta do erro estúpido. Saiu parque afora, todo desfeito e
suado, cutucando homens de safári e gritando “Muriçoca! Muriçoca!”. Em sua
mente, só a cara do chefe.
Sem sucesso, decidiu procurar o serviço de comunicação do
Parque e pediu que anunciassem pelos alto-falantes que ele procurava “um jovem
vestindo calças curtas, por alcunha Muriçoca”. E que, por favor, se dirigisse
ao balcão de informações. Nada...
Ele já começava a se desesperar.
O Zoo estava prestes a fechar quando ele pensou que seu
contato era o único ser cafona que ia cruzar o portão de saída em trajes
constrangedores. Bastava ele ficar ali, de butuca.
Ainda assim, sabia que era melhor se garantir. Então, teve uma
ideia complementar. Desenhou uma placa vertical que começava com o texto
MURI_ _ _ _
(pra não dar na vista, caso houvesse algum
contra-contra-espião na área).
Abaixo, o desenho de uma forca.
E na parte inferior, lia-se:
SE VOCÊ NÃO APARECER,
O ENFORCADO SEREI EU.
Todos que passavam, acharam que aquele era algum ato insano
de paixão e que o pobre homem teria que se casar com outra se esse amor não
fosse correspondido. Também podia ser alguma "pegadinha", ou ainda um
novo realitishou. Na verdade, nada naquele homem parado ali fazia muito
sentido. O fato é que começou a juntar gente em volta dele. Todo mundo olhando
para o portão de saída, sem saber bem o porquê. Como a causa dessa manifestação
tresloucada não se manifestasse, uma mulher abanou a mão e disse que se chamava
Muriana. Outra mais adiante gritou Murilena. E logo se ouviu um Muristela ao
fundo. Teve até uma Murítima. E chegaram a aparecer candidaturas de um Murilson
e mesmo de um Muricleiderson, jurando que esse era seu nome verdadeiro e
disposto até a mostrar o RG. A essa altura, só se ouvia “Beija-Beija-Beija”.
Seu contato, que não era louco nem nada, tirou a jaqueta do
safári e saiu a paisana.
Anoitecia e nosso herói viu seu futuro atropelado em frente
ao Jardim Zoológico.
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