terça-feira, 16 de março de 2010

Trampolim

Agora, eu pulo.

Um salto perfeito, um daqueles bem difíceis que eu venho treinando há tanto tempo, cheio de volteios, um duplo mortal carpado e eu mergulhando quase sem espirrar água. Quando eu fizer aquele movimento com precisão, ao entrar de cabeça na água, todos vão soltar a respiração que vinham prendendo desde que eu saí graciosamente do trampolim e respirar aliviados e sorrir antes de explodir de emoção por ter visto o salto mais perfeito da história dos saltos ornamentais, é sim, e os juízes extasiados vão agitar os cartazes com a nota 10 e me carregar nos ombros até o Carro de Bombeiros para eu percorrer as ruas do centro da cidade envolta na bandeira, acenando para as multidões, e toda aquela serpentina voando como em final de Copa do Mundo com a música do Ayrton Senna tocando bem alto – tã tã tã, tã tã tã – e o chatão do Galvão Bueno berrando ÉéééduBrasiiiiiilllllll. Ah, eu vou extrair aplausos até dos pentelhos da 7ª B, daquelas colegas que riem de mim durante o treino, da babaca da minha prima Michele e da metida da tia Dalva que a inscreveu no curso de modelo e manequim (ai, meus sais!!); talvez até um Oh! do Olavo e um sorriso aprovador da minha mãe – aliás, se ela não sair daqui hoje dizendo que estou desperdiçando meu tempo precioso e o seu dinheiro precioso, já vai ser lucro, além de ser novidade absoluta, é sim.

Mas se eu fizer o primeiro movimento imperfeito, é certo que vou errar a pontaria, torcer o corpo para o lado invertido, dobrar as pernas, soltar o diafragma, dar mau jeito nas costas, urrar de dor em pleno ar, desmanchar esta merda de coque cheio de grampos que estão perfurando meu couro cabeludo e... e... e tomara que eu bata a cabeça na borda com muita força, é sim – se eu errar o primeiro movimento, vou mirar direto com a minha testa dura na beirada da piscina e acabar com tudo – com a risada das minhas muy-amigas, com a tontice da Michele e da tia Dalva, com o Oh! que nunca será pronunciado pelo Olavo e, é claro, com o olhar de desaprovação da minha mãe, que sempre vem acompanhado de um meneio de cabeça que esconde um “eu te avisei” e é seguido daquele mesmo velho e interminável discurso durante os quinhentos anos que demora para chegar daqui na droga da minha casa.

Pensando bem, se eu sair pelo menos com a cabeça sangrando e merecendo uma visita ao pronto-socorro e uns pontos, vai ter menos motivo para as risadinhas e os comentários cochichados; é sim, já vou mirar na beirada da piscina de cara – nem vou caprichar no pulo, pois eu sei que vou errar aquele primeiro movimento, sempre ele... isso mesmo, lá vou eu.

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